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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

I CAPÍTULO

CAPÍTULO I 
INÍCIO DE MINISTÉRIO, AVENTURA CERTA.


De uma geração de doze, eu sou o nono filho de um pastor evangélico com nome de José Rodrigues, que nasceu no interior de Pernambuco e de dona Armandina Mendes, também pernambucana, mas da capital Recife. Na época dos meus pais, que norteou meados das décadas de 40 a 80, as dificuldades eram enormes em todas as áreas.
Meu pai também veio de família grande e por conseqüência cultural, herdou essa concepção de muitos filhos. Gente humilde da roça, que por promessa religiosa, tinha quatro irmãos chamados “José Rodrigues da Silva” e com ele, perfazia o total de cinco filhos homônimos. Os nomes era em honraria a José, pai de Jesus. As suas irmãs receberam também a honraria do nome da mãe de Jesus, perfazendo ao todo cinco “Marias”: Maria Rodrigues, Maria Bernadete, Maria das Neves, Maria de Lourdes, e uma das Marias que faleceu aos quatro anos de idade. Claro que depois de adultos, três dos homens mudaram seus nomes.
Lembro-me que ele contava a história que quando a família estava na roça arando a terra, o meu avô dizia:
_ Meu filho, Porque você fica com essa enxada na mão só olhando e não trabalha como os outros?
E ele respondia:
_ “É porque eu não nasci pra isso...”
Realmente, meu pai tinha uma meta na vida. Queria estudar e deixar o trabalho da roça.
Um dia saiu do interior do estado de Pernambuco, de um povoado denominado Chã da Capoeira e seguiu em direção à cidade de Paudalho , onde começou a trabalhar, a fim de realizar o sonho. Nesta localidade, trabalhou no balcão de uma mercearia, período o qual aceitou a Jesus Cristo como seu Salvador. Voltando a Chã da Capoeira para noticiar a sua conversão ao evangelho, a reação dos pais foi o que já se esperava de uma família rigorosamente católica. Seus pais não aceitaram a conversão e o expulsou de casa. Um balde de água fria, mas compreensível para uma família que era arraigada em um fundamentalismo religioso.
Concluindo o ensino fundamental, mudou-se para Recife. Estudou num conhecido seminário batista da época e cursou teologia e música sacra. Para se manter, passou a ser um vendedor ambulante, que na época chamavam de “mascate”. Vendia cochas, cortinas, lençóis e roupas em geral de porta em porta.
Certo dia nessas vendas à domicílio, fez uma venda de cortinas de renda a uma senhora chamada Damaris que graças a Deus viria a ser minha avô materna. Terminada a venda, ele partiu e já bem distante dona Damaris olhou o rapaz e disse com sotaque bem nordestino a uma vizinha:
-  “ Eita, se minha filha Armandina arrumasse um moreninho desses pra casar, bem que eu queria.”
Imediatamente, a filha, que na época era jovem e bonita, retrucou dizendo:
_ “Oxe, mãe tem cada idéia...!
A partir desta data, os dois se encontravam ocasionalmente pela cidade. Como diz o ditado, “sem querer querendo”.
Quando o jovem José ia receber as mensalidades com dona Damaris e ela não estava, quem pagava as contas era a Jovem moça. Sempre se cumprimentando de forma cordial e respeitosa.
Nessa época Armandina  juntamente com sua mãe já haviam se convertido ao evangelho.
Certa vez foi com uma amiga assistir um culto de domingo na Assembléia de Deus do bairro de Casa Amarela em Recife. Terminando o culto, como a igreja era enorme, ela se perdeu da amiga. Foi para casa conversando com outras irmãs e falou:
“_ Vou fazer como a irmã do circulo de oração falou, vou começar pedir a Deus uma marido para não andar mais sozinha a noite”.
Meu pai vinha atrás como seu irmão e ouviram quando minha mãe declarou aquilo. O irmão disse:
“_Olhe eu aqui...”
E meu pai refutou:
“_ Oxente, tu já tem a tua, deixa essa para mim”.
Daí por diante, meu pai começou a se aproximar e a pediu em namoro. Claro que minha mãe disse que ia pensar no caso e pediu três dias para dar a resposta. Confirmado o namoro, depois de ter falado com minha avó, uma semana depois já estava com as alianças para oficializar o noivado.
O padastro dela, um homem rigoroso e não evangélico, não aprovou a idéia, relutou e disse que não dava a mão para o futuro matrimônio. Mas sua mãe os abençoou e disse que seria com maior alegria que daria a mão da filha.
Certo dia, meu pai que ainda era seminarista, foi pregar em um culto evangelístico bem atrás da casa de sua noiva (minha mãe). Logo que terminou o culto, alguns irmãos de plantão avisaram o que tinha acontecido:
- "Meu irmão, sua futura sogra e sua noiva levaram uma tremenda surra do esposo/padastro".
Imediatamente, ele correu a casa e procurou saber o que havia acontecido. A surra tinha endereço certo. Era a indignação daquele homem por não aprovar o relacionamento de sua enteada com alguém evangélico, pobre e negro. Foi algo humilhante para meu pai, mas foi daí que brotou a coragem de lutar pela vida, lutar por um amor que traria frutos aprovados não por homens, mas pelo nosso Deus.
Meu pai alugou uma casa, mobilhou e chamou o pastor Machado, pastor da segunda igreja batista de Casa Amarela em Recife, para realizar o casamento no dia 28 de fevereiro de 1952.
O jovem José Rodrigues tinha expectativa quanto ao casamento. Almejava um filho homem e o chamaria Alex.


A jovem Armandina engravidou, mas com dois meses de gestação, perdeu uma bebêzinha. Logo depois voltou a engravidar de outra menina que recebia o nome de Alexina, nome versão feminina do filho que não veio. Pela segunda vez nasceu uma mulher, a primogênita viva.
Eram tempos difíceis e que os trabalhos de partos eram realizados por mulheres que eram chamadas parteiras ou aparadeiras. Os partos eram feitos na própria casa da gestante.
Certa vez meu pai foi fazer uma conferência em uma igreja em Moreno, interior de pernanbuco, e deixou Alexina aos cuidados de uma irmã e levou minha mãe. No culto, o pastor da igreja foi cantar uma música e chamou a filha Semírames para cantar juntos. Imediatamente minha mãe se encantou com o nome da moça e disse a meu pai que o nome da próxima filha seria Semírames. E assim foi feito.
Depois do nascimento da filha Semírames, ele se formou em teologia e musica sacra. Tinha no coração um desejo de ser missionário na Bolívia, mas Deus os levou para a Bahia. Com duas filhas, partiu em um navio para a nova terra, em direção a Santo Antônio de Jesus. O convite para o ministério inicial veio do pastor Albertino Lira, que recebeu a família em plena época de carnaval. Ficaram numa pensão e no dia seguinte pegaram o trem para Nazaré das Farinhas. Desta cidade,  pegaram outro transporte para a cidade de Santo Antônio de Jesus, cidade onde receberam as instruções e informações de como seria seu primeiro ministério. Depois de três dias foram em direção a cidade de Sapeaçú.
A “aventura” estava instalada. Uma família que decidiu seguir viajando de fé em fé, de glória em glória. Não tinha casa certa para morar e inicialmente fora deixada no fundo da igreja, em uma residência pequena. Era uma casa típica de fazenda, só tinha um quarto, uma cozinha, fogão a lenha e na frente era a igreja. Minha mãe só saia quando não tinha culto, pois não dava pra ficar passando no meio da igreja durante as reuniões. As opções eram ficar presa dentro de casa cuidando das filhas ou ir ao culto.
Os crentes davam muitas frutas e verduras como presentes e a família passou muitos meses sem fazer compras. Não se fazia nem feijão nem comida de panela para poder consumir todo esse material.
Conta minha mãe que um dia chegou um irmão da igreja, pegou uma esteira de junco (palha) e exclamou de forma grosseira:
- Irmã, ta aqui a sua “empregada”.
Ela ficou assustada olhando e ele continuou:
- Quando tiver fazendo as coisas dentro de casa, coloque suas filhas para dormir na esteira.
Minha mãe respondeu:
- Ta certo, o senhor ta mandando, eu faço.
A vida ia passando, as experiências de sobrevivência e dependência de Deus iam acontecendo, mesmo que as vezes viessem humanamente de forma amarga.
Meu pai foi ser pastor de uma igreja batista em  Cruz das Almas durante cinco anos. Nesta cidade baiana nasceram Ádina, respectivamente Acilene e Alionaide. Agora as filhas nascidas eram cinco.
Em meados dos anos sessenta, meu pai foi convidado a pastorear a igreja batista da cidade de Ruy Barbosa, ainda no Estado da Bahia. A igreja localizava-se na praça principal onde tinha a feira da cidade. Nesta cidade foi onde  aprendeu a tocar acordeon (safona). Ali, nasceram Sandra em 1961 e o filho homem tão esperado. Leonardo, que atualmente é pastor em Olinda, Pernanbuco, nasceu em 1962, ano do golpe militar de Getúlio Vargas.
Minha mãe engravidou também de outro filho chamado Lael, mas não sobreviveu. A filha da vizinha levou uma queda e a mãe estava grávida também. Para não assustar a mãe, levaram-na para casa dos meus pais onde aconteceu o susto de minha mãe. Com uma semana minha mãe começou a se sentir mal e perdeu a criança.
Muita tristeza na família. Muito sofrimento, pois seria mais um menino. Eles enterraram o bebê no fundo do quintal, costume da época naquela cidade.
Um ano depois, em 1965, minha mãe engravida novamente. Agora era a minha vez.
No ano seguinte, meu pai foi pastorar a igreja Batista Belém na cidade de Alagoinhas, próximo uma hora e meia da capital baiana Salvador.
Em Alagoinhas, perderam mais um filho homem e depois nasceu a última filha chamada Aléxia Susan. Ao todo foram dose filhos, mas nascidos vivos foram nove.
Imagina-se toda essa saga de nossa família. Nove crianças, um ministério interino. As dificuldades eram imensas.
Até as roupas eram feitas iguais para todas as meninas. Compravam uma peça só de tecido para fazer os vestidos porque era mais barato.
Na igreja, o banco da frente era sempre reservado aos nove filhos. Se houvesse algum barulho na hora da pregação, os primeiros a serem chamados atenção eram os filhos do pastor. Se um filho de pastor já é cobrado, pense em uma família com nove.
Algumas igrejas alegavam que não podiam convidá-lo para um ministério porque não tinha como remunerar um pastor com tantos filhos.
Em uma dessas cidades, tinha um diácono da igreja que tinha seis filhos e era funcionário público. Um dia ele foi em nossa casa ver como estávamos vivendo e percebeu cada detalhe da vida do pastor. No dia seguinte, reuniu a diretoria da igreja sem a presença do meu pai e disse:
- Como pode acontecer o que eu vi. Cheguei à casa do pastor e todos os filhos dele estavam comendo arroz. Eu sou funcionário público não dou arroz aos meus filhos. Como pode um pastor fazer isso?
Eram essas as concepções que se tinham da família de um pastor na época. Será que alguma coisa mudou em nossos dias?
Ao final dos anos sessenta, meu pai começou a viver a cultura das igrejas da época. Por qualquer motivo colocavam um pastor pra fora do ministério e sem direitos a nada. Não tinham a mínima preocupação de que o pastor iria viver e como família, sofremos as conseqüências de tudo isso. Mas como nossos pais tinham uma fé impressionante, Deus sempre supria as necessidades. Nunca passamos fome, nunca o Senhor nos abandonou.
Pai fez parte de um grupo dos treze pastores, que no estado baiano escreviam veementemente contra o movimento de renovação espiritual que assolou as igrejas batistas na década de sessenta. Mas contraditoriamente, sempre foi um pastor que passava muitas horas de oração e por isso depois pagou um preço alto, deixando forçadamente ministérios que não aceitavam pregações cheias de unção e consideradas como uma afronta aos princípios tradicionais.
Em 1970, fomos morar em Paulo Afonso, em pleno ano da copa do mundo. Foi ser pastor de uma igreja batista da cidade, onde comentavam que ele seria mais um de muitos que passaram por aquela igreja. Ficou até 1972, suspeita confirmada.
Neste ano, ele viajou e deixou a autorização para minha mãe receber o seu salário pastoral nas mãos do tesoureiro, mas o tratamento da pessoa na ausência de meu pai era meio que deselegante e foi ai que minha mãe irou-se, tomando a decisão de procurar um trabalho aos trinta e seis anos de idade. Deus ouviu suas orações e abriu as portas na CHESF, empresa federal, onde trabalhou 24 anos até se aposentar.
Essa decisão foi de extrema importância. Através de seu esforço e companheirismo ao ministério de meu pai, minha mãe gerou oportunidades de estudo melhor aos filhos e de maior qualidade de vida. Muitos fizeram cursos profissionalizantes e nos preparamos para a vida profissional de forma digna.
Dona Armandina foi uma heroína, uma mulher que viveu a frente de seu tempo. Com apenas o estudo dos primeiros anos do primário, criou todos os seus irmãos, pois o pai havia falecido e viveu como esposa de pastor de forma a enfrenta todas as diversidades da época. Ouviu e viu muita coisa que não condiz com o amor do evangelho,mas soube sabiamente superar todos os momentos que a vida lhe impôs.
Meu pai foi pastor da igreja batista evangelizadora, onde viveu renovação espiritual no seu ápice e por isso trouxe concepções doutrinárias divergentes de seu ministério, portanto gerou três novas igrejas: a Igreja Tabernáculo Batista (Onde ficou até a sua morte em 1988, com 63 anos de idade e 34 anos ministério), a Igreja Batista do Bairro Rodoviário e o grupo que permaneceu como tradicionais formando a Igreja Batista Central.
Como filhos de pastor, eu e meus irmãos vivemos todas essas fases do ministério de nossos pais e pode-se imaginar o que se passava na cabeça de cada um daquelas crianças e jovens. O que cada um dos filhos criou dentro de si como leitura do que realmente é o evangelho? Era a visão viva da igreja local focada pelo prisma de um filho de pastor. Era como dar um zoom na mente de pessoas que estavam em cima do lance.
Cada filho viu, viveu e sentiu de uma forma diferenciada a história pastoral. Uns no campo da revolta, outros como aprendizagem de vida e bênção. Cada um com sua visão de mundo, com suas experiências profundas. E isso é o que construiu a nossa saga sacerdotal e creio que ainda constrói essa vida complexa de ser um FDP.

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